A globalização impõe o "Totalmente Técnico" como sendo a cultura do novo cotidiano. Só que um universo assim racionalizado e informatizado pode não só acarretar sofrimento para os indivíduos, mas também constituir uma nova fonte de vulnerabilidade para a sociedade.
Está particularmente avançada, em especial sob a forma de grande automação do vôo. Ela proporciona uma grande eficiência econômica: crescimento do desempenho e regularidade do tráfego. Responde também a uma onipresente preocupação de segurança, mas uma segurança pensada, em primeiro lugar, como "erro zero" dos seres humanos e dos materiais – em termos físico-matemáticos e regulamentares – e que, às vezes, leva ao inverso do objetivo buscado.
Uma das novas vulnerabilidades tem origem na hipercomplexidade dos sistemas informáticos: mesmo entre seus construtores, quase mais ninguém domina a soma de informações contidas nas centenas de calculadoras embarcadas num avião de carreira.
Cresce o descompasso entre os conhecimentos do piloto e o número quase ilimitado de cenários que podem, dessa forma, se apresentar, sendo alguns deles inimagináveis num avião clássico, pouco automatizado. Antigamente, era a experiência que permitia ao piloto enfrentar o imprevisto, a partir dos incidentes que conhecera durante sua carreira e do saber prático transmitido pela comunidade de pilotos. Ora, a formação das tripulações privilegia, atualmente, as situações virtuais e a simulação. A isto se acrescenta a noção de "transparência para o usuário": o operador não precisa saber o que se passa na máquina, dizem-nos alguns idealizadores. Em nome da facilidade de utilização, cria-se assim, para o piloto, a impossibilidade de ter acesso ao coração do autômato e, portanto, de dominar o destino.
Segunda situação radicalmente nova: a pilotagem do vôo por um híbrido de homem e máquina. O sistema informatizado de gestão do vôo combina ordens da tripulação e a pré-programação do centro de estudos. A vivência de tal situação é tranqüila quando o autômato traz ajuda e socorro ao piloto; porém, se torna conflituosa, e mesmo angustiante, em caso de ações intempestivas ou contraditórias do sistema, porque os pilotos, então, atribuem ao autômato intenções ou um projeto de ação que às vezes não chegam a prever, a compreender, nem a bloquear, se necessário. Constatamos isso analisando, com um piloto de treinamento, alguns quase-acidentes ocorridos após uma "reversão de modo cruzado": uma tripulação, que queria aterrissar, via seu avião retomar brutalmente a altitude e não conseguia mais controlá-lo, enquanto o piloto automático aplicava outra lógica, definida em centro de estudos, e que, autoritariamente, fazia o aparelho voltar a subir em caso de velocidade excessiva na descida. Desde então, esse dispositivo foi suprimido.
Olhando-se do ângulo do autômato, é o engenheiro que intervém. Seu programa foi pensado no chão, onde reinam as leis das ciências matemáticas e físicas, longe da experiência real do piloto: como o cockpit continua sendo um espaço de contingência e de imprevisto, o vôo fica por um tempo onde nada é exatamente conforme aos conhecimentos escolares. A "presença no mundo" do idealizador permanece virtual, livresca: ele só pode preparar o futuro de seu autômato escrevendo algoritmos, testando comportamentos de uma maquete de avião num simulador ou num corredor de vento. No laboratório, ele pode até suspender e reverter o curso do tempo. No ar, o comandante de bordo não poderá parar para refletir nem recomeçar uma ação errônea.
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